A cidade de Bath no tempo de Jane Austen

Nós já descobrimos como era viajar durante a era georgiana, que tal descobrirmos um pouco mais sobre alguns dos destinos mais populares na Inglaterra?

Bath – a cidade chave nos romances A abadia de Northanger e Persuasão – era conhecida por suas águas medicinais (quantos romances possuem um personagem que está lá se curando da gota? rs). Aliás, em 1816, Bath já deixava de ser um destino elegante ou um bom lugar para o mercado casamenteiro, para se tornar um local de residência para os inválidos e as solteironas e viúvas (e também militares aposentados, membros da baixa nobreza, da classe média, vigários, etc).

Antes disso, contudo, Bath foi um local para onde pessoas de bom gosto e elegância viajavam para se entreter – socialmente falando. Estima-se que mais de cento e quarenta carruagens partissem de Londres para Bath toda semana, ou seja, era uma cidade beeem movimentada. Em 1800, Bath comportava trinta e três mil pessoas, o que fazia dela uma das maiores cidades da Inglaterra. E muitos atrativos podiam ser encontrados por lá! O mais conhecido deles talvez seja o Royal Crescent, que é nada mais nada menos do que aquela extensão de trinta casas idênticas que formam uma meia-lua:

Imagem de Stephen Conlin, Pictu Publications

Esse era um ótimo local para passear, e as pessoas iam para lá para ver e serem vistas! Além disso, o ambiente físico já fazia valer a pena a visita, graças à belíssima arquitetura das construções, a vista privilegiada (as casas ficam em um terreno elevado) e a grande quantidade de área verde. Aquele espaço da imagem onde estão as carruagens e os pedestres ficava cheio aos domingos, quando uma procissão de visitantes passava por ali a caminho ou voltando dos serviços religiosos 🙂

Mas esse, apesar de ser o mais conhecido, não era o único ‘crescente’ em Bath. Muitos outros foram erguidos durante a última década dos anos 1700, como o Lansdown Crescent, Camden Crescent, Widcombe Crescent, entre outros (dá um google nos nomes para ver as belezas que eles são hehe).

* Os ‘crescentes’ foram construídos para abrigar os visitantes, e os preços eram altíssimos. Os mais abastados preferiam alugar casas em lugares elegantes como Laura Place (uma praça em forma de diamante – o custo anual do aluguel era de cerca de cento e vinte libras), Pulteney Street e Camden Place (hoje é chamada de Camden Crescent – ali, a vista para as colinas ao leste de Bath era espetacular). Suítes também estavam disponíveis para locação.

* Os menos abastados podiam alugar metade de uma casa, ou até mesmo apenas um andar de alguma casa.

* Os inquilinos deviam trazer suas próprias roupas de cama, bem como seus próprios criados.

Outro lugar que chamava a atenção dos visitantes era a Bath Street, uma rua famosa por suas lojas e suas colunatas que davam abrigo aos pedestres e para as cadeirinhas que serviam de transporte:

Bath Street, imagem de Graeme Smith

Sedan Chair, imagem de Robert Dighton: essas cadeirinhas eram muito populares em Bath, especialmente em razão da grande quantidade de idosos e doentes, colinas íngremes e a dificuldade ($$) de se manter uma carruagem. Mesmo os jovens faziam uso desse meio de transporte quando, por exemplo, estavam retornando de eventos noturnos.

Lembrando que a Bath Street começou a ser construída em 1791, de modo que era bem nova durante o período em que se passa o romance A abadia de Northanger. Mas voltando ao assunto: nessa rua estavam situadas muitas lojas que, depois das lojas de Londres, eram consideradas as melhores do país. E não eram só lojas de roupas, ein? No tempo de Jane Austen, um comerciante de aves tinha seu estabelecimento por ali, e o negócio era bem famoso.

* A fama de Bath, com relação as compras, só crescia, o que fez com que comerciantes de Londres começassem a abrir filiais por lá durante a temporada.

Já a primeira sorveteria de Bath abriu em 1774, na ponte Pulteney*. Nesse estabelecimento, você também podia comprar gelo, e vários tipos de doces ou salgados – já prontos – para consumir na loja ou levar para casa. As concorrentes eram a Molland’s, no final da Milsom Street, e a Gill’s, em Wade’s Passage. Já lembrei de um certo libertino dono de uma rede de confeitarias… Alô, Silvana Barbosa!😉

* A ponte Pulteney é a única ponte da Inglaterra que possui lojas nas laterais! 

E como era a vida social por lá?

O mundo elegante considerava Bath um lugar cansativo, na melhor das hipóteses, mas a cidade tediosa podia ser útil – especialmente em períodos de luto. O luto exigia uma vida social mais calma, e embora os atrativos de Londres estivessem fora de cogitação para os enlutados, ninguém via problemas em um ou outro evento na pacata Bath. Outra situação em que Bath vinha a calhar era em casos escandalosos – muitas mocinhas se retiravam para lá até que o escândalo fosse abafado. A cidade, ainda, era conhecida pela ‘liberdade’ com que os jovens podiam se misturar enquanto estivessem lá – o que favorecia muito o mercado casamenteiro.

Eles tinham essas chances nas Assembly Rooms, nos concertos e nos shows de artifícios, na Pump Room, no teatro, nos desfiles, nos crescentes e nas praças. Mas o verdadeiro centro da atividade social de Bath, para aqueles que estavam lá – fosse qual fosse o motivo rs –, era formado pela Pump Room e pelas Assembly Rooms (eram chamadas de Upper Rooms para não serem confundidas com as Lower Rooms, que eram mais antigas e estavam situadas em uma parte mais afastada da cidade).

Ali por oito, nove horas da manhã, a pessoa seguia para a Pump Room, onde uma orquestra já estaria posicionada para manter uma música de fundo durante todo o dia. Aqueles que estavam doentes tomavam sua dose de água medicinal; os que estavam apenas buscando entretenimento caminhavam pela sala e examinavam o livro de registro.

* As pessoas que chegavam na cidade deviam assinar seus nomes em um livro da Pump Room – o que permitiria que o mestre de cerimônias se apresentasse para elas. Aqueles que não queriam demonstrar sua curiosidade em público e examinar o livro podiam descobrir os visitantes da semana através do “The Bath Chronicle”.

* Havia um excelente hotel bem em frente a Pump Room: o White Hart. Outros hotéis: York House e The Christopher.

Já os eventos noturnos aconteciam nas Assembly Rooms – bailes, jogos de cartas, concertos, etc. Nas Upper Rooms, os bailes aconteciam nas segundas-feiras, os carteados nas terças-feiras, um concerto nas quartas-feiras (durante o inverno) e um baile à fantasia nas quintas-feiras. Nas Lower Rooms, bailes à fantasia aconteciam nas terças-feiras e outros bailes nas sextas-feiras.

P.s: notem que os bailes nunca coincidiam!

O salão de baile das Upper Rooms era o maior salão de Bath – eram trinta metros de comprimento e doze metros de altura e largura, onde cabiam cerca de oitocentos dançarinos. Nesse salão – que não possuía janelas no primeiro andar – a decoração ficava por conta dos lustres de cristal feitos por William Parker em 1772.

Além dessas opções de entretenimento, Bath tinha sua própria versão dos jardins de Vauxhall: os jardins de Sydney, um local com grutas, um labirinto e cascatas. Ali, eram realizados ‘cafés da manhã públicos’ e as pessoas precisavam comprar ingressos antecipadamente para participar. Ainda, bailes iluminados (cinco ou seis durante a temporada) e shows de fogos de artifício eram comuns. Durante o verão, haviam concertos ao ar livre.

E é claro que o teatro estava na lista dos visitantes, né? Em Bath, aliás, o teatro era de muita qualidade, e vários atores de Londres iam para lá durante a temporada. As apresentações geralmente aconteciam nas terças, quintas e sábados.

Os bailes (os normais) aconteciam uma vez por semana e começavam às seis horas da tarde, quando onze músicos no primeiro andar iniciavam os trabalhos. Entre as seis e as oito horas eram tocados apenas minuetos. As danças campestres mais energéticas começavam logo após os minuetos e terminavam às nove horas. Depois disso, todos os convidados seguiam para a sala de chá adjacente para se refrescar. As danças, então, prosseguiam até as onze horas, quando o evento terminava – é importante ressaltar que os bailes acabavam precisamente às onze horas, mesmo que alguma dança estivesse no meio; nesse caso, a música era abruptamente cortada.

As valsas normalmente não eram permitidas nos bailes das Upper Rooms.

Bath deixou de ser atraente para a aristocracia no fim do século XVIII, mas mesmo que a sociedade por lá não fosse interessante o suficiente para eles, muitos dos melhores médicos do país estavam por lá. Para aqueles que viviam no oeste da Inglaterra ou no país de Gales, era melhor ir até Bath do que até Londres.

A aristocracia começava a trocar Bath por Cheltenham e Turnbridge Wells, bem como pela costa de Brighton, em Kent.

A temporada social em Bath atingia seu ápice em fevereiro, mas se estendia de setembro até junho (em Bristol, a temporada seguia de março até setembro).

Em razão do clima mais quente, Bath costumava receber mais visitantes no inverno – e as principais atrações eram realizadas em ambientes fechados.

O Teatro Royale, em Orchard Street, fechou em 1804. Em 1805, um teatro maior foi inaugurado na Beauford Square.

 

Mas e como funcionavam as coisas para aqueles em busca de tratamento de saúde?

Muito simples: as pessoas tomavam doses regulares da água na Pump Room. Segundo o Feltham’s Guide to Watering Places, a quantidade a ser ingerida diariamente variava entre meio litro e um litro e meio – mas um médico devia ser consultado. Ainda, o mesmo guia defendia que uma pessoa não podia fazer uso das águas medicinais por mais de seis meses sem interrupção.

* Em razão dos minerais, a água tinha um sabor um pouco desagradável.

* A água da Pump Room era bombeada do King’s Bath, uma fonte termal do tamanho de uma piscina pequena, onde pacientes sentavam lado a lado – sem importar o sexo. A Pump Room, inclusive, tinha uma janela que dava para o King’s Bath.

As fontes termais também eram conhecidas por seus poderes de cura, desde problemas como reumatismo, até obesidade e infertilidade. Para a imersão, uma roupa especial era necessária (normalmente de linho marrom) – era uma roupa pouco atraente, então as pessoas usavam um chapéu elegante junto.

Imersão em água termal

CURIOSIDADES

Havia cinco comerciantes de cavalos em Bath naquela época, e esse era um dos motivos para a visita de muitos homens. A cidade abrigava, ainda, duas escolas de equitação: a Ryles’s e a Dash’s.

Bath tinha a reputação de ser muito quente no verão, e, mesmo no inverno, em razão da localização geográfica (literalmente em um buraco entre dois vales), as pessoas iam para lá aproveitar um clima mais ameno.

Bath está localizada no oeste da Inglaterra, conhecida como a região mais chuvosa do país. As chuvas tendem a cair com mais frequência durante o inverno.

Diferente da maioria das cidades da época, Bath tinha suas ruas pavimentadas.

Em 1801 (o ano em que Jane Austen se mudou para a cidade), Bath contava com mais de quarenta ‘médicos’. Eram dezoito cirurgiões, vinte e três médicos e vinte e oito boticários.

Durante os anos de 1804 e 1805, Jane Austen residiu no seguinte endereço: Número 3, Green Park Buildings (imagem abaixo). E aí vai um fato curioso: naquela época, os duelos eram realizados bem na frente dessas construções. Já consegui até imaginar uma cena de um romance de época rs!!!

Green Park Buildings, imagem de Walter Ison

Pequenas cidades do interior podiam ser abastecidas com o leite de fazendas próximas, mas para o abastecimento de uma cidade com a população de Bath era necessária a criação de vacas dentro da cidade – o que acontecia em celeiros apertados, sem qualquer higiene ou acesso a grama fresca. O resultado era que o leite tinha muita pouca qualidade.

Um trecho do Guia de Bath de 1800: “Os principais mercados funcionam nas quartas-feiras e nos sábados, e possuem todos os tipos de provisões, geralmente a preços moderados. Manteiga fresca chega do interior todos os dias pela manhã, e os açougueiros que vivem em Bath fornecem as melhores carnes todos os dias da semana. Os mercados de peixe funcionam nas segundas, nas quartas e nas sextas-feiras”.

Em termos de fornecimento de bens, Bath estava situada em uma ótima região: recebia carne das montanhas galesas, frutas e vegetais de Cotswolds, lacticínios de Somerset e Devon, peixe do rio Severn e vinho importado de Bristol.

São tantas informações! Fazendo esses posts, minha cabeça já fica cheia de ideias de possíveis romances (quem sabe um dia sai um?), imagina as autoras que já estão na lida hehe. Eu espero que, apesar de longo, o post tenha sido interessante. Afinal, logo vem mais por aí…

Se quiserem saber de algum tema em especial, deixem nos comentários 😊

Espero que tenham gostado!

Com carinho, Roberta.

Fontes: The Regency Encyclopedia

Austenonly

Imagem em destaque: Rowlandson, Austenonly.

Postado por: Roberta Ouriques

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