As cartas de Jane Austen traduzidas II – Agosto e setembro de 1796

“Cork Street, manhã de terça-feira (agosto de 1796).

Minha querida Cassandra, aqui estou eu novamente nesse cenário de devassidão e vícios, e já começo a sentir que minha moral está corrompida. Nós chegamos em Staines ontem não sei a que horas e sem sofrer tanto com o calor quanto eu esperava. Nós partimos novamente esta manhã às sete horas, e eu tive uma viagem bastante agradável, já que a manhã estava nublada e perfeitamente fresca – eu vim o caminho todo desde Hertford Bridge na chaise.

Edward e Frank partiram atrás de suas fortunas; o último deve retornar em breve e nos ajudar a buscar a nossa. O outro nós nunca mais iremos ver. Nós devemos ir ao Atley* hoje à noite, pelo que eu estou feliz. Edward recebeu uma carta de Henry esta manhã. Ele não esteve presente nas corridas de forma alguma, a não ser que a carona que deu para a Srta. Pearson até Rowling um dia possa ser chamada assim. Nós iremos encontra-lo lá na quinta-feira.

*Um teatro perto de Westminster Bridge, em Londres.

Eu espero que vocês estejam todos vivos após nossa despedida melancólica ontem, e que você tenha persistido no passatempo que você queria com sucesso.

Deus te abençoe – eu preciso parar, pois iremos sair. Sua, muito afetuosamente,

J. Austen.”

Carta de Jane Austen para sua irmã Cassandra (fonte: National Library of Australia)
“Rowling, quinta-feira, 1º de setembro [de 1796]

Minha querida Cassandra – A carta que acabei de receber de você me divertiu além da moderação. Eu poderia morrer de rir com ela, como diziam na escola. Você é, de fato, a melhor escritora de comédias da atualidade.

Desde que escrevi pela última vez, nós estávamos cada vez mais perto de voltar para Steventon na próxima semana. Esse, por um dia ou dois, era o plano de nosso querido irmão Henry, mas agora as coisas foram restauradas, não para o que eram, pois parece provável que minha ausência seja prolongada ainda mais. Eu sinto muito por isso, mas o que posso fazer?

Henry nos deixa amanhã e vai para Yarmouth, já que ele quer muito consultar com seu médico lá, em quem ele tem muita confiança. Ele está melhor do que estava quando chegou, embora não esteja bem de forma alguma. De acordo com o atual plano dele, ele não irá voltar para cá até o dia 23, e irá trazer com ele, se puder, uma licença de três semanas, já que ele quer muito caçar em Godmersham, de onde Edward e Elizabeth devem ir embora no início de outubro. Se esse esquema permanecer, eu dificilmente estarei em Steventon antes do meio de tal mês; mas se você não puder ficar sem mim, eu poderia voltar, eu suponho, com Frank, se algum dia ele for embora. Ele aproveita bastante aqui, pois ele acabou de aprender a lidar com o formão e o torno*, e está tão encantado com a ocupação que está fazendo isso o dia todo.

*No original: to turn. Deirdre Le Faye explica que to turn, nesse contexto, significa “modelar um pedaço de metal, madeira ou marfim em uma forma arredondada com o uso de um formão ou um utensílio similar enquanto roda a peça em um torno”. Deirdre Le Faye, Letters of Jane Austen, Oxford University Press – Fourth Edition, Notes to Letters 4, Note 4, p. 371.

Eu sinto muito que você tenha encontrado tamanha concisão nos momentos de tensão da minha primeira carta. Eu devo me empenhar em compensar você por isso, quando nos encontrarmos, com detalhes elaborados que eu logo começarei a escrever.

Mandei fazer meu novo vestido e ficou pronto, e realmente daria uma soberba sobrepeliz. Fico triste em dizer que meu novo vestido colorido está bem desbotado, embora eu tenha mandado que todos tivessem bastante cuidado com ele. Eu espero que o seu também esteja. Nossos homens tiveram um clima indiferente na visita que fizeram a Godmersham, pois choveu durante boa parte do caminho até lá e durante todo o caminho de volta. Eles encontraram a Sra. Knight notavelmente bem e de muito bom humor. Imagina-se que ela logo se case novamente. Eu peguei o pequeno George no colo uma vez desde que cheguei aqui, o que eu considerei muito amável. Eu contei à Fanny sobre a pérola do colar dela, e ela quer muito saber onde você a encontrou.

Amanhã eu estarei como Camilla* na casa de verão do Sr. Dubsbter; pois meu Lionel irá retirar a escada pela qual eu cheguei aqui, ou ao menos pela qual eu pretendia ir embora, e onde eu devo permanecer até que ele retorne. Minha situação, contudo, é um pouco preferível à dela, já que eu estou muito feliz aqui, embora eu fosse ficar contente em ir para casa até o fim do mês. Eu não faço ideia se a Srta. Pearson irá voltar comigo.

*Camilla, de Frances Burney.

Que ótimo camarada é o Charles*, por nos enganar e fazer com que escrevêssemos duas cartas para ele em Cork! Eu admiro a ingenuidade dele extremamente, especialmente porque ele é um grande beneficiário dela.

*Charles Austen.

O Sr. e a Sra. Cage e o Sr. e a Sra. Bridges jantaram conosco ontem. Fanny pareceu tão contente em me ver quanto todo mundo, e perguntou muito sobre você, de quem ela deveria estar costurando as roupas de casamento. Ela está linda como sempre, e um pouco mais gorda. Nós tivemos um dia bastante agradável, e tomamos alguns licores de noite. A figura de Louisa está muito melhorada; ela está tão robusta quanto era. Seu rosto, pelo que eu pude ver uma noite, não parecia alterado de maneira alguma. Ela e os cavalheiros caminharam até aqui na noite de segunda-feira – ela veio pela manhã de Hythe com os Cages.

Lady Hales, com suas duas filhas mais novas, veio nos ver. Caroline não está mais grosseira do que já era, nem Harriet está mais delicada. Estou contente em ouvir tão boas notícias do Sr. Charde, e apenas tenho medo de que minha longa ausência ocasione uma recaída a ele. Eu pratico todos os dias o máximo que consigo – mas queria que fosse mais, pelo bem dele. Não recebi nenhuma carta de Mary Robinson desde que cheguei aqui. Eu espero ser bastante repreendida por me atrever a duvidar sempre que o assunto é mencionado.

Frank fez um belo batedor de manteiga para Fanny. Eu não acho que ninguém do grupo estava ciente dos bens que estavam deixando para trás; e não fiquei sabendo de nada sobre as luvas de Anna. De fato, eu não perguntei por elas até agora. Nós estamos muito ocupadas fazendo as camisas de Edward, e eu tenho orgulho de dizer que sou a melhor trabalhadora do grupo. Dizem que há um número prodigioso de pássaros por aqui este ano, então talvez eu mate alguns. Estou feliz em ouvir tão boas notícias do Sr. Limprey e J. Lovett. Não sei de nada sobre o lenço de minha mãe, mas me atrevo a dizer que irei encontra-lo logo.

Eu sou, muito afetuosamente, sua,

Jane.”

“Rowling, segunda-feira, 5 de setembro [de 1796]

Minha querida Cassandra, eu ficarei extremamente ansiosa para saber do seu baile, e vou esperar receber um relato tão longo e preciso de cada particularidade que me cansarei de lê-lo. Deixe-me saber quantas pessoas além dos quatorze e do Sr. e da Sra. Wright Michael irá conseguir colocar dentro da carruagem, e quantos dos cavalheiros, músicos e garçons ele conseguirá persuadir a irem usando seus casacos de caça. Eu espero que o acidente de John Lovett não o impeça de comparecer ao baile, já que você será, nesse caso, obrigada a dançar com o Sr. Tincton a noite toda. Deixe-me saber como o Sr. J. Harwood se comporta sem a Srta. Biggs; e qual das Marys conquistará meu irmão James.

Nós estivemos em um baile no sábado, eu asseguro a você. Nós jantamos em Goodnestone e, de noite, dançamos duas quadrilhas e duas Boulangeries* – eu abri o baile com Edward Bridges; os outros casais eram Lewis Cage e Harriot, Frank e Louisa, Fanny e George. Elizabeth tocou uma quadrilha, lady Bridges a outra, a qual ela fez com que Henry dançasse com ela; e a Srta. Finch tocou as Boulangeries. – Depois de ler as últimas três ou quatro linhas, estou consciente de que me expressei de uma maneira tão duvidosa que, se eu não te falasse o contrário, você poderia imaginar que foi lady Bridges que fez Henry dançar com ela ao mesmo tempo em que estava tocando, o que, se não impossível, deve parecer um evento bastante improvável para você – mas foi Elizabeth que dançou.

*Nome da dança conforme Jane Austen o escreveu, embora a grafia correta fosse Boulangères. Ver: Deirdre Le Faye, Letters of Jane Austen, Oxford University Press – Fourth Edition, Notes to Letters 5, Note 4, p. 371.

Nós tivemos nossa ceia lá e caminhamos para casa à noite sob o abrigo de duas sombrinhas. Hoje o grupo de Goodnestone começa a se dispersar e se espalhar para fora. O Sr. e a Sra. Cage e George voltam para Hythe. Lady Waltham, as senhoritas Bridges e a Srta. Mary Finch para Dover, em razão da saúde das duas primeiras. Eu não vi Marianne em nenhum momento.

Na quinta-feira o Sr. e a Sra. Bridges retornam para Danbury; a Srta. Harriot Hales irá acompanha-los até Londres em seu caminho para Dorsetshire. O fazendeiro Claringboule morreu esta manhã, e eu acredito que Edward pretende conseguir um pouco da fazenda dele, se conseguir enganar Sir Brook o suficiente com relação ao arranjo.

Nós acabamos de receber carne de veado de Godmersham, a qual os dois senhores Harvey irão devorar amanhã e da qual, na sexta-feira ou no sábado, o grupo de Goodnestone irá acabar com os restos. Henry partiu na sexta-feira, como ele havia proposto, sem falhar – você irá receber uma carta dele em breve, eu imagino, já que ele falou sobre escrever para Steventon logo. O Sr. Richard Harvey irá se casar; mas é um segredo tão grande, e apenas conhecido por metade da vizinhança, que você não deve menciona-lo. O nome da lady é Musgrove.

Eu estou muito angustiada. Não consigo determinar se devo dar a Richis meio guinéu ou apenas cinco xelins quando eu for embora. Aconselhe-me, amável Srta. Austen, e me diga qual será a melhor opção.

Nós caminhamos com Frank ontem à noite até Crixhall ruff*, e ele pareceu muito edificado. O pequeno Edward passou a vestir calças* ontem, e apanhou na barganha. Por favor, lembre de mim para todo mundo que não pergunta por mim. Para aqueles que perguntam, lembre de mim sem ser convidada.

Envie meu amor para Mary Harrison, e diga a ela que eu desejo que quando ela estiver comprometida com um jovem, que um homem respeitável como o Dr. Marchmont* possa mantê-los separados por cinco volumes.”

*Crixhall Rough.
*Até certa idade, todas as crianças, fossem meninos ou meninas, vestiam-se com uma espécie de túnica. Ao atingir certa idade, contudo, as vestimentas mudavam. Roy e Lesley Adkins explicam: “Quando os meninos estavam com cerca de quatro ou cinco anos, no que, por vezes, era uma cerimônia formal para marcar a transição da primeira para a segunda infância, eles passavam a usar calças” (Jane Austen’s England, Penguin Books, p. 56).
*Personagem do livro Camilla.

Espero que tenham gostado!

Com carinho, Roberta.

A imagem em destaque foi retirada daqui.
Postado por: Roberta Ouriques

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