Anulações e divórcios: desmascarando alguns mitos históricos para autores

Antes de tudo, deixem-me dizer que haviam poucos casos de divórcio no período da regência. Eles eram caros. A igreja da Inglaterra se opunha veementemente ao divórcio, tal qual a igreja católica. A igreja apenas permitia uma “separação legal”, que se convertia em um divórcio, um fato que acaba confundindo a cabeça dos leitores modernos.

Para conseguir um divórcio (o direito de se casar com outra pessoa), o homem primeiro precisava conseguir uma “separação legal” em razão de adultério por parte da esposa.

Ele também precisava processar a esposa por “alienação de afeto” em um outro tribunal. O amante seria considerado culpado de ter relações sexuais ilegais e a corte iria compensar os danos sofridos pelo marido. O próximo passo seria entrar com uma petição no parlamento para encerrar seu casamento. Um testemunho seria ouvido independente das circunstâncias. Esse testemunho devia ser publicado nos jornais, o que significa dizer que um divórcio discreto era impossível. No fim, a petição passaria pelo parlamento e o casal estaria livre para casar com outras pessoas.

Menos mulhers do que podeemos contar na mão conseguiram obter um divórcio durante aquele período. Aquelas que conseguiram, fizeram porque alegaram que seus maridos as estavam traindo com suas irmãs.

Na Escócia, contudo, tanto maridos e esposas poderiam pedir o divórcio. Duas condições existiam para isso: que o casal (de amantes) estivesse na Escócia por no mínimo seis semanas e que o adultério tivesse acontecido em terras escocesas. Henry William Paget, o primeiro marquês de Anglesley (lorde Paget) originalmente se casou com lady Caroline Elizabeth Villiers (com quem teve oito filhos), mas em 1809 ele fugiu para a Escócia com lady Charlotte Cadogan Wellesley, a esposa de lorde Henry Wellesley. A esposa de Paget conseguiu o divórcio no fim de 1810. Depois, ele casou com lady Charlotte, com quem teve dez filhos.

Anulações, geralmente, eram difíceis de se obter e, mais do que isso, envolvia a Câmara dos Lordes. A exceção existia para casamentos nulos. Por exemplo, um menor de idade que casasse através de licença especial sem a permissão de seu guardião legal ou um casamento não-consumado, ocorrido depois de fuga para a Escócia. Nesses casos, o casamento não requeria uma anulação, mas era declarado nulo. Mesmo assim, as cortes normalmente se envolviam, especialmente quando provas do fim dos casamentos eram necessárias.

Um plot comum em romances situados no período da regência é um casamento temporário entre o herói e a heroína, com a suposição de que seria anulado, em razão da ausência de consumação, depois de seis meses ou um ano.

O problema é que não consumar o casamento não era requisito o suficiente para conseguir uma anulação.

A consumação aumentava a legitimidade de casamentos realizados na Escócia e lançava dúvida nas acusações de ter sido forçado(a) a se casar, mas o fato de não haver a consumação não permitia que um casamento fosse anulado. A igreja sempre supunha que o casal iria fazer isso cedo ou tarde, se pudessem.

Agora: impotência e frigidez eram capazes de fundamentar um pedido de anulação, já que se tratavam de incapacidades físicas de uma das partes. Um hímen impenetrável também poderia fundamentar o pedido, embora isso pudesse ser resolvido por um cirurgião. Contudo, poucos homens permitiam tal exame, para provar que era impossível consumar o casamento. Se a pessoa fosse insana no momento do casamento, o marido ou a esposa poderia pedir a anulação. Outras hipóteses de anulação referem-se a quando se descobre uma esposa/marido vivo ou quando exista prova de relação de consanguinidade entre marido e esposa. Collins Hemingway, em “Amor fraternal”, nos conta: “Entretanto, o casamento do irmão de Jane, Charles, com Harriet Palmer, depois da morte da primeira esposa dele, era anulável, pois Harriet era irmã de Fanny. Como foi explicado pelo artigo de Martha Bailey (“As leis do casamento no mundo de Jane Austen”), a fraternidade criava uma proibição por afinidade tão forte quanto as proibições por sangue. A lógica era: porque Fanny e Harriet possuíam uma relação de consanguinidade, e porque mulher e marido se tornavam apenas uma carne depois da consumação do casamento, então Charles também teria uma relação de consanguinidade com Harriet. Esse pensamento se aplica também para mulheres que se casavam com um irmão de seus falecidos maridos.

Anulável, no caso de Charles, não significava necessariamente nulo. Alguém – provavelmente um parente em busca de uma herança – precisava entrar com um processo para anular o casamento e, assim, tornar os filhos ilegítimos. Charles nunca teve dinheiro o suficiente para alguém se preocupar em anular seu casamento”.

Também, durante a regência, uma anulação requerida em razão de fraude era comumente encontrada nos casos que necessitavam de permissão dos pais. As cortes, ainda, exigiam que a fraude tivesse induzido o casamento: a parte enganada precisava provar que tinha acreditado, genuinamente, na representação oferecida pela outra parte. E mesmo quando um caso de fraude era provado, as cortes poderiam decidir que outros fatores impediam a anulação.

Era mais difícil anular um longo casamento do que um curto; um casamento consumado do que um que não foi consumado; um casamento com filhos do que um sem.

Talvez a maior limitação imposta nas alegações de fraude seja a necessidade de que a falsa representação que uma parte faz de outra se relacione com um aspecto essencial do casamento (não do casamento do caso concreto, mas com qualquer casamento). As cortes não se utilizavam de princípios tradicionais de contratos quando estavam discutindo fraudes em casamento. Mentir sobre circunstâncias econômicas, por exemplo, não configurava uma fraude.

Anulações não eram concedidas apenas porque alguém estava dizendo que havia sido forçado a se casar. As cortes não levavam ameaças em consideração. Embriaguez também não era motivo para uma anulação, contanto que a pessoa soubesse o que estava fazendo.

A insanidade, uma das razões aceitáveis para a anulação de um casamento, devia existir antes do referido matrimônio. A idade para consentir com o casamento era de 12, para meninas, e 14, para meninos, mas muitas crianças já estavam casadas com apenas 7 anos. Quando eles alcançavam as idades necessárias para o consentimento, podiam reverter suas situações. Casamentos nulos eram aqueles quando menores de idade se casavam sem a permissão dos pais ou quando havia bigamia. Também, casamentos que não eram realizados da forma correta.

Alguns exemplos de casamentos anulados pela igreja anglicana incluíam menores de idade, fraude, uso de força e loucura.

Mesmo assim, a fraude, o uso da força e a loucura precisavam ocorrer durante a cerimônia de casamento (ou antes, no caso de permissão para menores), não depois de o casal estar casado. Mesmo nobres ricos ficavam “presos” com seus cônjuges quando problemas surgiam após a cerimônia. Por exemplo, o décimo primeiro duque de Norfolk e o quarto conde de Sandwich ficaram presos em casamentos infelizes quando suas mulheres ficaram loucas. No caso do duque de Norfolk, a esposa dele foi internada antes de gerar um herdeiro, então o ducado passou para seu primo.

A lei britânica não exigia a consumação. A lei escocesa usava a consumação como prova em casamentos clandestinos, mas apenas se uma das outras formas não tivesse sido observada. Uma assembleia, com sede em Londres, da igreja da Inglaterra cuidava das anulações.

Muitas pessoas que estavam em um casamento nulo, mas que pareceram casadas durante um tempo ou viveram como casal publicamente, iam até a corte e requeriam a declaração de nulidade. Da perspectiva de um litigante, não importava se o requerente era um nobre ou não, mas precisava de dinheiro para completar o processo. Era caro. Uma investigação era necessária e etc.

E quanto aos casamentos realizados em alto mar? Desde 1894, de acordo com a Encyclopedia Britannica, capitães de navios britânicos não estavam autorizados a realizar cerimônias de casamento. Pessoas podiam casar em alto mar se um clérigo anglicano estivesse a bordo. Depois de casamentos civis serem criados, um dos oficiais do navio, que podia ser um capitão, podia ser apontado como autoridade para realizar a cerimônia. Passageiros e a tripulação em navios de outros países podiam casar de acordo com as leis do país.

Por fim, um casamento não poderia ser anulado se uma das partes estivesse morta.

O único motivo para anulação ou a declaração de invalidade de um casamento, mesmo quando a pessoa já tinha falecido, era quando o casamento nunca tinha sido válido.

Fonte: Regina Jeffers

Imagem em destaque é do filme Razão e Sensibilidade de 1995.

Postado por: Roberta Ouriques

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