As viagens no tempo de Jane Austen

A semana mais esperada do ano chegou: a semana de ir para a praia! Eu adoro passar um tempo no litoral, andar de chinelo o dia todo e não ser julgada por isso, entrar no mar, sentar em um barzinho à beira-mar… não sou muito fã de tomar sol, mas o guarda-sol e o protetor solar estão aí pra isso, né? Como eu ia viajar, já comecei a planejar os posts que seriam publicados durante a viagem, e então me veio a ideia de fazer uma série de posts sobre como eram as viagens no tempo de Jane Austen.

Aliás, sabe que foi durante a vida de Jane Austen que as pessoas começaram a descobrir os prazeres de uma viagem como forma de lazer? Até então, viagens eram evitadas ao máximo porque, como tudo há duzentos anos atrás, nada era fácil. Começando pelo simples fato de que viajar – a locomoção propriamente dita – era muito complicado. Muitas estradas estavam em péssimas condições, as viagens eram demoradas, e, é claro, custosas.

Mesmo aqueles que podiam arcar com os custos de uma carruagem própria, ou até mesmo o aluguel de uma carruagem, pensavam duas vezes antes de pegar a estrada. Por exemplo: em um percurso de mais de trinta quilômetros, apenas o início poderia ser feito com os cavalos das famílias. Depois disso, era necessário alugar cavalos descansados em hospedarias pelo caminho. Era possível, é claro, completar uma viagem com seus próprios cavalos, mas isso significava deixar que os cavalos descansassem por pelo menos duas horas durante as paradas – que, é claro, precisariam ser mais frequentes.

Devido a dificuldade de devolver a carruagem alugada para seu dono, era comum que as carruagens de aluguel, bem como os animais, fossem trocadas em cada pousada.

Havia hospedarias em Londres também, especialmente em Cheapside. Um exemplo era a Swan with Two Necks (Cisne de dois pescoços), que possuía um estábulo subterrâneo para mais de dois mil cavalos (ai, meu coração dói só de pensar nesses bichinhos!). Na rua em que os tios de Elizabeth Bennet moravam (Gracechurch Street) havia duas hospedarias (Spread Eagle e Cross Keys) por onde passavam as pessoas que seguiam rumo a Kent, Dover e o continente. Se você estivesse viajando de Kent até Hertfordshire, por exemplo, provavelmente trocaria de carruagem dentro de Londres.

Agora, vamos pensar: com todos os confortos que temos hoje, já não é agradável passar horas e horas em carros, ônibus, aviões, etc, imagina ficar dentro de uma carruagem (por vezes cheia de gente!) em uma velocidade de aproximadamente onze quilômetros por hora? Ninguém merece rs!

Em uma carruagem privada, a média de quilômetros que podiam ser percorridos por dia era de oitenta/noventa quilômetros (cinquenta/sessenta milhas). Os cavalos precisavam ser trocados a cada dezesseis quilômetros (dez milhas).

Mas além disso, era perigoso. As famílias tinham empregados que viajavam do lado de fora da carruagem para proteção e outras funções, mas nem todos os perigos podiam ser evitados (é bom ressaltar que caminhadas ou viagens noturnas, em noites sem lua cheia, eram evitadas ao máximo). Por exemplo: o furto de bagagem era algo muito comum! Ou os homens cortavam as cordas que fixavam as malas na carruagem ou faziam tudo na maior cara de pau mesmo, oferendo seus serviços nas hospedarias e sumindo com os pertences dos ‘clientes’ depois. Aliás, sobre as bagagens: a maioria das bagagens (eram baús) era transportada em outra carruagem, não no veículo onde estava o viajante. Nesse carro, apenas os itens essenciais, como algumas vestimentas, itens de higiene pessoal, cestas, etc.

Para as pessoas que tinham maior poder econômico, era tudo mais fácil. As carruagens, via de regra, eram feitas nos moldes pedidos pelos donos, de forma que o veículo se transformava em uma casa (luxuosa) móvel. Um exemplo comum: escrivaninhas podiam ser colocadas na carruagem, assim os ocupantes podiam escrever cartas, diários de viagens, etc. E os ricos também podiam pagar por outras formas de entretenimento durante suas viagens. Turistas com bastante dinheiro, por exemplo, às vezes contratavam pintores para eternizar as paisagens que encontravam durante a jornada.

Durante o frio, os ocupantes das carruagens precisavam encontrar uma forma de se aquecer, e uma forma de fazer isso era colocando garrafas de água quente sob os pés. Mas o tempo precisava estar apto para uma viagem, ein? No inverno, principalmente, o tempo era a causa de muitos atrasos, em razão de neve, chuvas, etc, e muitas vezes era impossível fazer uma viagem em tais condições.

Era recomendado que as pessoas viajassem com seus próprios jogos de cama, pois os que encontrariam nas pousadas e hospedarias estariam sujos.

Cavalheiros raramente viajavam em ‘carruagens públicas’. Damas menos ainda.

Nas regiões costeiras, por causa do mau estado das estradas e da dificuldade de uma viagem, ficava mais fácil e mais barato o transporte marítimo.

Em 1815, a costa do condado de Kent estava tão famosa que barcos a vapor saíam do rio Tâmisa e levavam turistas até as cidades litorâneas (Margate, Ramsgate e Broadstairs).

VIAGENS PARA O EXTERIOR

Depois da vitória decisiva ocorrida em Waterloo, em 1815, as viagens para o exterior se tornaram possíveis novamente. E qual era a primeira coisa necessária para esse tipo de viagem? O passaporte! Era diferente dos nossos, é claro (fotos nos passaportes somente depois da 1ª Guerra Mundial), mas serviam para o mesmo propósito.

Antes de Waterloo, poucos se aventuravam pelo continente (e os que se aventuravam costumavam se passar por americanos – um país neutro na guerra). Além disso, turistas se aventuravam a navegar nas águas dominadas pela marinha britânica e não mais do que isso.

Após a vitória britânica em Waterloo, muitos ingleses lotaram os arredores do campo de batalha em Bruxelas. Partindo de Brighton, muitos deles estavam ávidos para retornar para casa com souvenires da batalha.

Um inglês foragido escapava da lei britânica em terras francesas. O problema era ir até lá, uma vez que os passaportes não eram emitidos em nome de pessoas com problemas com a lei. Eu vou precisar pesquisar mais a fundo, mas pelo que entendi, os passaportes não eram emitidos uma vez e valiam por anos e anos. Em cada viagem era necessário um passaporte (e, por vezes, era necessário requerer um passaporte na embaixada britânica do país em que se estava para voltar para a Inglaterra).

A partir de 1821, um navio a vapor começou a operar no trajeto Dover-Calais. Isso fez com que a travessia do canal fosse reduzida para cerca de quatro horas.

Os países mais visitados pelos ingleses eram a França e a Itália (a Suíça também era bastante visitada, mas principalmente porque ficava no caminho entre a Inglaterra e a Itália).

E chegando em um país estrangeiro, como os turistas conseguiam dinheiro? Eles levavam cartas de crédito que eram apresentadas para o banco estrangeiro correspondente ao emissor da carta. Essa carta autorizava o banco estrangeiro a fornecer o dinheiro requerido pelo portador (posteriormente o banco da Inglaterra efetuava o ressarcimento).

Outro pondo interessante são os livros com dicas para viagens internacionais, por exemplo: levar seus próprios medicamentos e temperos, sua própria roupa de cama, a própria louça, etc. E dicas para aproveitar bem a viagem também! Mary Wollstonecraft (mãe de Mary Shelley, autora de Frankenstein) aconselhava alugar uma carruagem para uso pessoal, mas contratar nativos para servirem de cocheiro e intérprete.

CURIOSIDADES

Paterson’s British Itinerary” (Itinerário britânico por Paterson) mantinha os passageiros nas rotas certas. Entre 1785 e 1832, dezessete edições ajudaram os leitores e viajantes. Ele detalhava todas as estradas utilizadas pelas diligências e pelo correio. Portões, pontes, rios, casas de campo e famílias importantes nas redondezas eram algumas das inúmeras dicas listadas nos livros. Outro livro assim era o John Cary’s New Itinerary.

Os mais elegantes passavam boa parte do ano viajando. Como regra geral, os verões eram passados nas propriedades de campo e os invernos na cidade mais próxima (ex: Londres, Birmingham, Bath, etc). Southampton (Hampshire), um porto e base militar, não era considerada ‘elegante’ como essas cidades citadas anteriormente.

Os destinos turísticos mais procurados eram as terras altas da Escócia (Viajar para as ‘Scottish Highlands’ se tornou muito comum no fim do século XVIII – entre os locais mais visitados estão o lago Lomond e Inveraray­) e o parque Lake District (o lago Grasmere era muito popular).

Turistas também costumavam visitar grandes casas de campo.

Um passatempo comum naquela época era visitar Box Hill, em Surrey.

Hertfordshire era um condado essencialmente rural, e tinha um papel essencial no tocante ao transporte. As duas principais estradas que ligavam Londres ao Norte passavam pelo condado, de forma que a economia de Hertfordshire dependia basicamente das hospedarias.

Toda cidade, não importava se era grande ou pequena, tinha pelo menos uma hospedaria (elas eram absolutamente necessárias em razão dos cavalos, que precisavam descansar). As pessoas podiam, ainda, conseguir alguma coisa para comer enquanto os cavalos eram trocados. Em casos de carruagens privadas, as hospedarias ofereciam quartos para pernoite.

As carruagens do correio possuíam guardas armados ao lado do cocheiro, em razão do alto número de assaltos contra os veículos.

As pessoas não viajavam no domingo. Havia, é claro, muitas rotas e muitas carruagens operando todos os dias na Inglaterra, mas nenhuma operava nos domingos (isso era proibido por uma lei que permaneceu vigente até a década de trinta). As pessoas mais ricas, que tinham suas próprias carruagens, deveriam honrar a data (o domingo) e usar seus veículos apenas para ir e voltar da igreja.

Muitas pessoas, em razão do custo elevado das viagens em veículos, faziam os percursos a pé. Isso limitava muito a distância (além de ser muito perigoso).

* Lembrando, sempre, que nenhuma dama respeitável viajaria sozinha.

TEMPO DE VIAGEM*

* Considerando que a viagem fosse feita com o uso de uma carruagem privada.

A carruagem do correio era mais rápida, pois o veículo seguia em movimento noite e dia, até que o destino fosse alcançado. Em compensação, o conforto era muito menor: além de não existir descanso, o interior da carruagem ficava lotado (algo em torno de seis pessoas), e muitos outros passageiros iam no teto. Todo esse peso fazia com que a carruagem estivesse mais sujeita a tombar em curvas mais acentuadas ou em superfícies escorregadias.

 Carruagem do correio com passageiros no teto.

De Londres até Exeter: três dias.

  • O tempo era reduzido para três dias e cinco horas com uma carruagem de correio.

 

De Londres até Bath: cerca de um dia e sete horas.

  • O tempo era reduzido para dezessete horas com uma carruagem de correio.

 

De Londres até Box Hill: cerca de cinco horas.

  • Para vocês terem noção de como era demorado o negócio, Londres e Box Hill são separados apenas por cerca de trinta e três quilômetros! Se a pessoa resolvesse ir cavalgando, o tempo de viagem diminuía para duas horas. Com a carruagem do correio, algo em torno de três horas.

 

De Londres até Gretna Green: cerca de seis dias.

  • Gretna Green era o destino de casais apaixonados que fugiam para se casar. Caso quisessem encurtar esse tempo de viagem, podiam pegar carona na carruagem do correio e o tempo diminuía para cerca de dois dias e meio de viagem.

 

De Londres até Brighton: cerca de oito horas.

E uma curiosidade final para as amantes do Mr. Darcy: de Londres até Pemberley, em uma carruagem privada, levava cerca de dois dias e oito horas. Com uma carona na carruagem do correio a chegada em Pemberley demorava cerca de um dia 😉

Só de pensar em viajar nessas condições já tenho um mini piripaque rs. Lembrando sempre que perguntas, críticas, comentários são sempre muito bem-vindos! E se não quiser comentar aqui embaixo, sinta-se livre para enviar um e-mail para contato@romanceshistoricos.com.br 😊 Até o próximo post!

Espero que tenham gostado!

Com carinho, Roberta.

Fontes: Regency Encyclopedia

Jane Austen Society of North America

Postado por: Roberta Ouriques

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