Como era tratado o suicídio durante a regência?

Setembro é o mês mundial de prevenção ao suicídio, também chamado de setembro amarelo. A campanha foi iniciada no Brasil, em 2015, pelo CVV (Centro de Valorização da Vida), pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) e pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).

Segundo o site da campanha, são registrados mais de doze mil suicídios no Brasil por ano. E o objetivo da mobilização é justamente diminuir esse número alarmante, ou seja: salvar vidas! No site nós encontramos muito material de uso público, muita coisa disponível para download, que podem fazer muita diferença. Acessem, compartilhem com seus conhecidos. Quem sabe algum deles são está precisando dar uma olhadinha?

No fim do post vou compartilhar um pequeno manual de como auxiliar uma pessoa que está precisando de ajuda, mas agora gostaria de passar para o assunto do nosso post em si. O suicídio é um assunto que, em geral, nos choca. Acho que todos nós conhecemos alguém que tirou sua própria vida, e quando não é o caso, já ouvimos a notícia de algum artista que fez isso. É um assunto que ainda é um tabu, mas há mais de duzentos anos atrás carregava muito mais peso. O suicídio era tratado como um crime e as pessoas que atentavam contra suas próprias vidas não podiam ser enterradas em um solo cristão.

Roy e Lesley Adkins, no livro A Inglaterra de Jane Austen, explicam que:

O suicídio ou autocídio era um crime porque era considerado uma blasfêmia pela Igreja e roubava um súdito do Rei. O termo legal arcaico (latim) era felo de se (homicida de si mesmo). Embora a insanidade não fosse, tecnicamente, uma defesa, os médicos legistas geralmente declaravam que o suicida não estava em plenas capacidades mentais, porque se um suicida fosse julgado são, sua propriedade era confiscada. Qualquer pessoa que auxiliasse um suicídio seria julgado por assassinato, mas um dos problemas para a lei era como punir o cadáver pelo crime. Tudo que poderia ser feito era negar um enterro em um solo consagrado. (página 277)

Se bem que esse não era o único motivo. Naquela época, as pessoas acreditavam em muitas superstições, e uma delas era a crença em fantasmas. Por isso, enterravam os suicidas durante a noite, em encruzilhadas, com estacas enfiadas em seus peitos. Tudo isso para evitar que suas almas não ficassem vagando.

Suicidas eram rotineiramente punidos negando-se aos seus corpos um enterro cristão, mas o restante do ritual servia para prevenir que o fantasma assombrasse os vivos. O enterro a noite na encruzilhada era para confundir o fantasma caso ele quisesse vagar, e a estaca era para impedir que se levantasse para andar. (A Inglaterra de Jane Austen, página 165).

Os jornais eram muito democráticos na cobertura dos suicídios. Havia relatos de todas as classes sociais, e em cada ocasião um motivo era buscado; e sempre era assumido que a pessoa não estava em plenas capacidades mentais. Como era um crime que afetava todas as classes sociais, onde o mesmo alcance das emoções era observado, era inevitável que as reações fossem as mesmas.

William Dumbell, um trabalhador, tomou doze canecas de cerveja e depois se enforcou em uma latrina, em Newhaven. Ele estava “melancólico”. Do outro lado do espectro social, Edward Hussey, Esq., um magistrado em Lamberhusrt, Sussex, estourou seus miolos pela mesma razão.

O Sr. G Lecke, um ex-soldado, se enforcou em maio de 1816. Nenhum motivo pôde ser encontrado: “ele era um homem muito religioso e pensavam que ele seria o último homem do mundo que faria uma coisa dessas”. Sir Edward Crofton cometeu suicídio em janeiro e a imprensa não conseguiu encontrar uma razão – o ponto é que motivos eram procurados e esperados.

Melancolia era uma razão; confusão mental causada por problemas domésticos também era. Em fevereiro de 1816 uma menina de doze anos de Smithfield amarrou pesos de chumbo em seus pés e se enforcou depois de se desentender com seus pais. Foi um “ato impulsivo” e um “incidente melancólico”. Uma mulher chamada Fane, esposa de um relojoeiro idoso, se afogou depois de um desentendimento marital, deixando seus sapatos em um banco e deixando sua caixa de rapés de prata onde pudesse ser encontrada. Mesmo quando havia um planejamento assim, desordem mental era a razão e a “loucura” era a causa da morte, não o suicídio.

Era claro que algumas pessoas tiravam suas vidas em razão de problemas econômicos. O Sr. Hollingsdale de Chailey, Sussex, foi visto pela última vez cuidando de seu gado que estava prestes a ser vendido para pagar seu aluguel e algumas pequenas dívidas. Ele, como muitos dos suicidas deste período, se enforcou. Richard Bishop, de Exeter, “colocou um ponto final em sua existência”, já em idade avançada, e encorajou outras pessoas a fazerem investimentos malsucedidos.

Havia quem pensasse de forma diferente. Em setembro de 1816, o jornal Cumberland Pacquet se referiu ao suicídio como um crime que condenava a família enlutada ao tormento na terra e o falecido ao tormento na vida do além. No dia quinze de agosto, uma pessoa com o pseudônimo “HUMANITAS” escreveu ao Morning Post lamentando o número de julgamentos de “loucura” pelos médicos legistas, que existiam apenas para acalentar os sentimentos das pessoas e proteger os direitos de herança. Sem qualquer ironia, HUMANITAS comentou que isso tinha ido muito longe, em uma era de “benevolência universal e filantropia”, e que ele acreditava que a aplicação de um julgamento apropriado iria reduzir o número de suicídios; se isso não fosse possível, talvez os corpos pudessem ser dissecados ao invés de serem enterrados em encruzilhadas e em túmulos sem marcação? Uma sugestão um pouco mais construtiva foi o banimento do arsênico.

Dois casos mostram as diferentes atitudes em relação aos sujeitos. Em novembro de 1816, o legista deu o veredito de suicídio para um sujeito chamado Brook que nunca possuiu um primeiro nome. Ele foi apreendido durante um roubo a um vendedor chamado Thompson e foi colocado na “cadeia” de St. James. Apesar de estar algemado, conseguiu estrangular a si mesmo com seu lenço de bolso. Ele foi enterrado às duas da manhã, em um solo não consagrado. Conduto, esse não foi o fim da história.

EXPOSIÇÃO TRÁGICA: Nós noticiamos ontem que Brook, que cometeu suicídio na cadeia de St. James, foi enterrado no final da Bride-lane às duas da manhã na terça-feira. O corpo foi depositado há cerca de meio metro da superfície do solo, e durante a terça-feira houve muita conversação entre os habitantes da localidade sobre o corpo ter sido enterrado ali, na frente da casa deles, e durante a noite o corpo foi desenterrado e deixado na rua. Como esperado, a cena foi de revolta e confusão, e o corpo foi carregado pela rua da maneira mais horrenda, para a diversão de alguns e o desgosto de outros. Levaram informações sobre o ocorrido até Malborough-Street e, com a assistência dos policiais da paróquia, o corpo foi recuperado. Ontem, foi novamente enterrado.  

Outro exemplo triste foi o suicídio do Sr. C Bradburn em fevereiro de 1816. Ele compareceu a um baile de máscaras nos salões de Argyle, na Regent Street. Lá, ele conheceu uma mulher e iria leva-la para casa quando dois homens, Wallace e Andrews, pularam para dentro da carruagem. Eles foram juntos para um hotel e Bradburn aceitou o convite para jogar dados por champagne (convite feito pela dama que parecia conhecer bem os outros homens). Apostar por bebida levou a apostar por dinheiro; Bradburn ganhou no começo, mas terminou com dívidas de duas mil libras. Quando os dois homens chegaram em seu endereço alguns dias depois, armados e escandalosos, Bradburn atirou na própria cabeça. Ele foi considerado insano. Sua fortuna e sua reputação foram salvas.

Nada de novo, não é?

Espero que tenham gostado de saber como era tratado o assunto naquela época. Mas lembrem: esse é um blog que traz conteúdos históricos e de forma alguma essa autora compactua com os preceitos seguidos pelas sociedades daquela época.

A prevenção ao suicídio é um tema muito importante.

Falando nisso, e me apropriando das palavras da psicóloga Gisah Salloum, você sabe como agir diante de uma pessoa sob risco de suicídio?

Encontre um momento apropriado e um lugar calmo para falar sobre suicídio com essa pessoa.

Incentive a pessoa a procurar a ajuda de um profissional. Ofereça-se para acompanhá-la na consulta.

Se você acha que essa pessoa está em perigo imediato, não a deixe sozinha.

Se a pessoa com quem você está preocupado(a) vive com você, assegure-se de que ele(a) não tenha acesso a meios para provocar a própria morte.

Fique em contato para acompanhar como a pessoa está passando e o que está fazendo.

Fontes do post: About 1816, Campanha Setembro Amarelo, Livro Jane Austen’s England – Daily life in the georgian and Regency periods, Roy e Lesley Adkins, páginas 165 e 277.

Imagem em destaque: Pinterest

Postado por: Roberta Ouriques

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