Os últimos momentos de Jane Austen por sua irmã, Cassandra

Há exatos 202 anos, no dia 18 de julho de 1817, Jane Austen faleceu em Winchester, na Inglaterra. Há alguma discussão acerca da causa da morte (atualmente, a teoria mais aceita é a de que a causa foi linfoma de Hodgkin), mas o fato é que Jane Austen deixou esse mundo muito cedo, aos quarenta e um anos.

É triste pensar que ela morreu sem imaginar o sucesso que faria por gerações e gerações. Imagina Jane Austen descobrindo que só Orgulho e Preconceito já vendeu mais de vinte milhões de cópias no mundo? É mais do que a população da Inglaterra quando ela estava viva – em verdade, praticamente o dobro rs!

Além de Orgulho e Preconceito, Jane Austen deixou outras cinco obras terminadas, além de Lady Susan – um romance menor, em formato epistolar – e outros dois romances inacabados. E, felizmente para nós, ela e a família deixaram uma porção de cartas. A que deixo traduzida abaixo é de Cassandra Austen, irmã de Jane, para Fanny Knight, sobrinha das duas, contando sobre os últimos dias de vida da escritora e sobre o momento de sua morte:

“Minha querida Fanny,

Duplamente querida agora, por amor àquela que perdemos. Ela te amou de forma muito sincera, e eu jamais vou esquecer as provas de amor que você ofereceu a ela durante a doença, escrevendo aquelas cartas divertidas e bondosas, quando eu sei que seus sentimentos a fariam escrever em outro estilo. Aceite a única recompensa que posso te oferecer e saiba que seu propósito benevolente foi alcançado; você contribuiu para a satisfação dela.

Até mesmo sua última carta trouxe prazer. Eu meramente abri o selo e entreguei o envelope para ela; ela o abriu e leu sozinha, depois me entregou para que eu lesse, e então conversou um pouco – e não sem alegria – sobre o conteúdo da carta, embora já estivesse tomada por um abatimento que a impedia de ter o mesmo interesse em qualquer coisa que estivesse acostumada a ter.

Desde a noite de terça-feira, quando ela voltou a reclamar, houve uma mudança visível, e ela dormiu mais e com muito mais conforto; e, de fato, durante as últimas quarenta e oito horas ela mais dormiu do que ficou acordada. Sua expressão se alterou e ela ficou mais fraca, mas eu não percebi uma perda substancial de força física, e embora eu já estivesse sem esperanças de uma recuperação, eu não podia imaginar o quão rapidamente minha perda estava se aproximando.

Eu perdi um tesouro, uma irmã, uma amiga que jamais poderá ser superada. Ela era o sol da minha vida, quem abrilhantava todos os prazeres, quem suavizava todas as tristezas; Eu nunca escondi um pensamento dela, e é como se eu tivesse perdido um pedaço de mim. Eu a amei demais – não mais do que ela merecia, mas eu tenho consciência que minha afeição por ela fez com que eu fosse injusta e negligente com os outros, em algumas ocasiões; e eu posso reconhecer, mais do que um princípio geral, a justiça divina desse golpe.

Você me conhece bem para temer que eu sofra, materialmente falando, com esses sentimentos; Eu estou perfeitamente consciente da minha perda irreparável, mas não estou, de forma alguma, impotente e tenho apenas uma pequena indisposição, algo que um pequeno tempo, com descanso e uma mudança de ares, logo irá curar. Eu agradeço a Deus que fui capaz de cuidar dela em seus momentos finais, e dentre minhas muitas causas para autocensura, não vou precisar adicionar nenhuma negligência quanto ao conforto dela.

Ela sentiu que estava morrendo cerca de meia hora antes de ficar tranquila e, aparentemente, inconsciente. Durante essa meia hora aconteceu sua luta, pobre alma! Ela disse que não podia nos explicar como sofria, embora tenha reclamado de uma pequena dor constante. Quando perguntei se havia algo que ela queria, sua resposta foi que não queria nada a não ser a morte, e algumas de suas palavras foram: “Deus, dai-me paciência, orem por mim, oh, orem por mim”. Sua voz estava afetada, mas enquanto conseguiu falar, ela conseguiu se fazer entender.

Eu espero não quebrar seu coração, minha querida Fanny, com esses detalhes; O que quero é oferecer alguma gratificação enquanto alivio meus próprios sentimentos. Eu não podia escrever para mais ninguém; de fato, você é a única pessoa para quem escrevi, exceto sua avó – foi para ela, e não para seu tio Charles, que eu escrevi na sexta-feira.

Imediatamente depois do jantar, na quinta-feira, eu fui até a cidade incumbida de assuntos que estavam deixando sua querida tia nervosa. Retornei quinze para as seis da tarde e a encontrei se recuperando de um desmaio; ela ficou tão bem que foi capaz de me fornecer um relato detalhado de sua apreensão, e quando o relógio bateu seis horas ela estava conversando calmamente comigo.

Não sei dizer quanto tempo depois ela foi acometida do mesmo desmaio, o qual foi seguido do sofrimento que ela não pôde descrever; mas mandei chamar o Sr. Lyford e ele aplicou alguma coisa que a deixou mais calma, e às sete horas da noite ela se encontrava em um estado de quietude insensível. Desde aquela hora até quatro e meia, quando ela parou de respirar, ela mal moveu um membro, então temos todas as razões para pensar, agradecendo o Todo-poderoso, que os sofrimentos dela tinham acabado. Um pequeno movimento de cabeça a cada respiração continuou até a última vez. Eu sentei perto dela, com um travesseiro em meu colo para ajudar a aconchegar sua cabeça, que estava quase fora da cama, por seis horas; a fadiga fez com que eu desse lugar para a Sra. J. A. por duas horas e meia, quando retornei ao posto, e uma hora depois ela respirou pela última vez.

Eu mesma pude fechar os olhos dela, e foi motivo de muita gratificação para mim prestar esses últimos serviços à ela. Não havia nada que desse a ideia de dor em sua expressão; pelo contrário, pois em razão do contínuo movimento da cabeça ela passava a ideia de uma bela estátua, e mesmo agora, em seu caixão, há um ar tão gracioso e sereno em seu semblante que é prazeroso de contemplar.

Hoje, minha querida Fanny, você recebeu a melancólica informação, e eu sei que está sofrendo severamente, mas, da mesma forma, eu sei que você irá procurar consolo na fonte de todas as coisas, e nosso Deus misericordioso nunca é surdo para o tipo de oração que você irá fazer.

A última cerimônia irá acontecer na quinta-feira, pela manhã; e seus restos mortais serão depositados na catedral. É uma satisfação para mim pensar que eles descansarão em uma construção que ela admirava tanto; sua alma preciosa, eu presumo e espero, repousa em uma mansão muito superior. Que a minha um dia possa se reunir à dela!

Seu querido pai, seu tio Henry, e Frank e Edward Austen, ao invés do pai deles, irão comparecer. Eu espero que nenhum deles sofra com esses esforços. A cerimônia deve acabar antes das dez horas, já que o serviço da catedral se inicia nesse horário, então nós devemos chegar cedo em casa nesse dia, já que nada irá nos prender aqui depois disso.

Seu tio James veio nos ver ontem, e foi embora hoje. Tio H. vai embora para Chawton amanhã pela manhã; ele fez tudo o que pôde aqui, e eu acredito que sua presença lá será benéfica. Ele volta para ficar conosco na noite de terça-feira.

Eu não achei que iria escrever uma carta tão longa quando comecei a escrever, mas a tarefa me atrai, e eu espero que eu tenha lhe dado mais causas de prazer do que de dor. Dê minhas lembranças para a Sra. J. Bridges (estou muito feliz que ela está com vocês agora) e mande meus melhores desejos para Lizzie e os outros.

Eu sou, minha querida Fanny,

muito e carinhosamente sua,

Cassandra Elizabeth Austen”.

Parecia que havia um escritor dentro de todo mundo naquele tempo, não é? Hoje em dia é tudo tão instantâneo que é impossível que a notícia de um falecimento seja transmitida dessa forma. É claro que eu prefiro viver no século XXI, com todas as suas facilidades, mas algumas coisas dos nossos antepassados são boas e precisamos reconhecer. As cartas, e tudo que podemos descobrir com elas, são uma dessas coisas.

A casa onde Jane Austen morreu, na College Street, em Winchester (fonte).

Nesse post aqui, falando sobre a morte na época de Jane Austen, tem foto do túmulo de Jane na catedral de Winchester e tradução do epitáfio da sua lápide.

Espero que tenham gostado do post!

Com carinho, Roberta.

Imagem em destaque foi retirada daqui.
Postado por: Roberta Ouriques

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