A páscoa no tempo de Jane Austen

A páscoa, sem dúvidas, é o feriado mais importante para os cristãos. Nós adoramos os coelhinhos e os chocolates, é claro, mas a data é muito mais do que isso: é a celebração da ressurreição de Jesus, a celebração da vitória de Jesus sobre a morte. É um feriado cristão celebrado em todos os cantos do mundo, e, mais do que isso, um feriado que vem sendo celebrado há muuuito tempo. Então, que tal descobrirmos como era a celebração de páscoa que Jane Austen conheceu? Para começar, nada de chocolates rs (embora, em 1820, já se tenha documentação de ovos de páscoa de chocolate na Inglaterra).

Jane Austen era filha de um clérigo, então dificilmente teria perdido uma missa na pequena igreja anglicana em Steventon, onde seu pai servia. Ela devia ser, ainda, muito bem familiarizada com o Livro de Oração Comum, uma vez que seu pai provavelmente o utilizava como um guia para planejar seus sermões durante todo o ano. Esse livro contém os ritos e as orações necessárias para um clérigo e as leituras que devem ser realizadas em cada missa, e a leitura recomendada para a páscoa era João 20, a “história de páscoa” de como os discípulos e amigos de Jesus foram velar seu corpo na tumba onde ele havia sido enterrado, apenas para encontrar o Senhor vivo, aguardando para encontrar seu Pai no Paraíso.

Edição de 1760 da versão de 1662 do Livro de Oração Comum

O domingo de páscoa, portanto, iniciava-se com uma missa em homenagem à data, e, diga-se de passagem, uma missa cheia de cantoria. A música do vídeo abaixo é uma das músicas que Jane Austen deve ter cantado nas celebrações de páscoa:

Desde aquele tempo, a páscoa é um feriado móvel, já que a data é celebrada no primeiro domingo depois da primeira lua cheia após o equinócio vernal, ao invés de ser celebrada em determinado dia do ano civil todos os anos. Durante os anos de Jane Austen, o período da páscoa (a páscoa e os quarenta dias seguintes, até o domingo da festa da Ascenção quando a subida de Cristo ao Paraíso é celebrada) era um período para viajar e visitar a família. Em todas as cartas e romances que Austen menciona a páscoa, ela faz a relação com viagens, incluindo em Orgulho e Preconceito, quando Mr. Darcy chega em Rosings Park para visitar sua tia, lady Catherine DuBourgh (na mesma época em que Elizabeth estava visitando sua amiga, Charlotte).

Chapéus de páscoa

A ideia de usar algo novo na páscoa tem raízes em tradições romanas (era sinal de boa sorte ter algo novo para usar na primavera) e no início do cristianismo, quando pessoas recém-convertidas usavam branco durante uma semana para celebrar seus batismos. Os primeiros chapéus (bonnets) de páscoa eram nada mais do que chapéus de primavera decorados com flores da estação.

P.s: aqui preciso confessar que nunca nem ouvi falar dessa história de usar chapéu de páscoa rs!! Alguém mantém essa tradição?

A quaresma

A páscoa é precedida por quarenta dias de jejum*, período conhecido como quaresma. Não é um jejum absoluto e é quebrado todo domingo, fazendo com que a quaresma dure, na verdade, quarenta e seis dias. Os Austen, provavelmente, deixavam de comer ovos, laticínios, açúcar e carne.

* Nesse período, as pessoas deviam se abster de comer bolos e doces, laticínios e gorduras de segunda-feira até o sábado, além de não comer carne nas sextas-feiras.

O propósito da quaresma era, e continua sendo, a preparação do fiel – através de oração, penitência e abnegação – para a comemoração anual, durante a semana Santa, da morte e da ressurreição de Jesus, e os fiéis do início do século XIX precisavam se abster de muitas atividades durante essa época (especialmente no período entre o domingo de ramos e o domingo de páscoa: a semana Santa).

Falando especificamente de Londres, o parlamento, por exemplo, não costumava abrir sessões até que a páscoa tivesse passado. Mesmo quando o parlamento funcionava antes do domingo de páscoa, a temporada social de Londres, com suas festas, bailes e alvoroços, não começava até que o feriado acabasse.

O dia anterior ao início da quaresma era chamado de “terça-feira da confissão”, um dia para confessar os pecados. De acordo com a pesquisadora e autora Regina Scott, o dia também era chamado de “Terça-feira da panqueca”, a última oportunidade de comer todas as comidas que seriam proibidas durante a quaresma. O costume deve ter se iniciado como uma forma de usar os ingredientes e os alimentos antes que estragassem.

Ainda sobre a quaresma, seguem algumas notas da pesquisadora do período da regência, Nancy Mayer:

Embora os teatros ficassem abertos durante boa parte da quaresma, eles apresentavam mais oratórias do que dramas. Os teatros geralmente fechavam na semana Santa – a semana entre o domingo de ramos e o domingo de páscoa.

A páscoa era um dia importante no calendário. Embora não fosse e continue não sendo uma data fixa, muitos eventos dependiam da data do domingo de páscoa. Escolas, universidades e cortes possuíam recessos de páscoa.

Muitas pessoas iam para Londres em fevereiro, quando o parlamento se reunia e o aniversário da rainha era celebrado. A celebração oficial de aniversários reais normalmente não tinha nenhuma ligação com a data real do nascimento. A celebração do aniversário da rainha, por exemplo, normalmente ocorria na primeira semana de fevereiro, antes da quaresma. Aqueles que estavam na cidade antes da páscoa compareciam mais a jantares do que a bailes, de acordo com os jornais, uma vez que bailes não eram apropriados durante a quaresma.

Os ovos de páscoa

Como eles não comiam ovos durante as semanas que precediam a páscoa, era comum fervê-los até que o interior ficasse bem sólido (para que durassem). Depois, tingiam os ovos com tintas naturais – ou o que encontrassem – e davam de presente de páscoa.

Olha um pedaço de uma reportagem do New Exeter Journal em abril de 1789: “Ainda é costumeiro, no norte da Inglaterra, dar paste eggs (os ovos beeeem cozidos) de presente para jovens moças; eles são envolvidos em folhas douradas, e depois tingidos. Essa é uma relíquia de uma superstição muito antiga, uma vez que o ovo já foi considerado um meio de representar a ressurreição do nosso Senhor” (trecho retirado do livro Jane Austen’s England, de Roy e Lesley Adkins).

E o que eles comiam no almoço/jantar de páscoa?

O prato mais tradicional com certeza era o Hot Cross Bun, que nada mais era do que um bolinho bem condimentado (frutas cristalizadas, canela, manteiga…) decorado com uma cruz (essa, na verdade, é uma tradição que data da idade média). A cruz, obviamente, representa a cruz de Cristo, e era comum que esses bolinhos fossem vendidos na sexta-feira Santa, o dia em que Cristo foi crucificado.

Ah, e o cordeiro (a época era propícia, uma vez que é nesse período que os filhotinhos das ovelhas e dos carneiros nasciam) também era um prato muito comum nas mesas das famílias no domingo de páscoa. Pecado dos cordeirinhos rs.

Acho que a essência da data se mantém até hoje, não? Tudo bem, nós adicionamos o coelhinho da páscoa, os ovos de chocolate, as caças aos ovinhos e tudo o mais, mas ainda celebramos o sacrifício de Jesus em nome de todos nós.

Não posso deixar de mencionar esse post do blog Jane Austen Brasil, onde juntaram vários trechos dos livros de Austen onde ela menciona o feriado de páscoa 😉

E, finalizando… uma feliz páscoa para todos!

Com muito carinho,

Roberta.

Referências: Donna Hatch, Thither Jane Austen, Jane Austen UK.

A imagem em destaque é o quadro “The brave deserve the fair” de Henry Gillard Glindoni.
Postado por: Roberta Ouriques

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