As cartas de Jane Austen traduzidas VI – Novembro e Dezembro de 1798

“Sábado, 17 de novembro [de 1798]

Minha querida Cassandra, se você prestou alguma atenção na conclusão de minha última carta, você ficará satisfeita, antes de receber esta, em saber que minha mãe não teve nenhuma recaída, e que a Srta. Debary está vindo. A primeira continua a se recuperar, e embora ela não esteja ganhando força muito rapidamente, minhas expectativas são humildes o suficiente para não excederem sua melhora. Ela conseguiu ficar sentada por quase oito horas ontem, e eu espero que hoje ela consiga o mesmo. Era isso sobre minha paciente – agora sobre mim.

A Sra. Lefroy realmente veio na última quarta-feira, e os Harwoods também, mas esses, com muita consideração, nos visitaram antes da chegada da Sra. Lefroy, com quem, apesar das interrupções tanto de James quanto de meu pai, eu fiquei sozinha o bastante para ouvir tudo que era interessante, o que você facilmente perceberá quando eu te disser que ela não falou nada de seu sobrinho, e que falou muito pouco de sua amiga. Ela não mencionou o nome do primeiro nem uma vez para mim, e eu tenho muito orgulho para perguntar alguma coisa; mas depois, quando meu pai perguntou onde ele estava, fiquei sabendo que ele foi de volta para Londres em sua jornada para a Irlanda, onde ele foi chamado para a Corte e tem a intenção de exercer a profissão.

O sobrinho sobre quem Jane Austen fala, no parágrafo acima, é Tom Lefroy – o homem por quem dizem que ela foi apaixonada. Nesse post (o primeiro post com a tradução das cartas) eu falei um pouco sobre eles.

Ela me mostrou uma carta que recebeu de uma amiga algumas semanas atrás (em resposta a uma carta escrita por ela onde recomendava um sobrinho da Sra. Russell para Cambridge), e mais para o final havia uma sentença com esse efeito: ‘Eu sinto muito em ouvir sobre a doença da Sra. Austen. Eu teria um prazer singular em ter uma oportunidade de estreitar meus laços com a família – na esperança de criar um interesse mais próximo para mim. Mas, no presente, não posso encorajar nenhuma expectativa sobre isso.’ Isso é racional o suficiente; há menos amor e mais senso aí do que em outras vezes, e eu estou bastante satisfeita. Tudo irá acontecer extremamente bem, e irá se acabar de uma maneira muito razoável. Não parece haver alguma probabilidade de ele vir para Hampshire neste Natal, e é, portanto, provável que nossa indiferença logo seja mútua, a não ser que a consideração que ele sente, que pareceu surgir do fato de não saber nada sobre mim, aumente pelo fato de nunca mais me ver.

A Sra. Lefroy não fez nenhuma observação sobre a carta, nem falou nada sobre ele que tivesse relação comigo. Talvez ela ache que já falou demais. Ela viu bastante os Mappletons quando esteve em Bath. Christian continua em um péssimo estado de saúde, tuberculoso, e é improvável que se recupere. A Sra. Portman não é muito admirada em Dorsetshire; o mundo da boa índole, como sempre, exaltou tanto a beleza dela que toda a vizinhança teve o prazer de ficar desapontada.

Minha mãe deseja que eu te diga que eu sou uma ótima dona de casa, coisa que não tenho nenhuma relutância em fazer, porque eu realmente acredito que é minha área de particular excelência, e é pela seguinte razão – eu sempre tenho o cuidado de tratar das coisas para agradar meu próprio gosto, o que eu considero o mérito principal do trabalho doméstico. Eu pedi que fizessem um guisado com carne de vitela, e pretendo pedir por um com carne de carneiro. Nós devemos matar um porco em breve.

É para ter um baile em Basingstoke na próxima quinta-feira. Nossas assembleias gentilmente declinaram o convite, desde que nos desfizemos da carruagem; portanto essa inconveniência e a falta de inclinação para ir estão caminhando juntas.

A afeição de meu pai pela Srta. Cubthbert está tão viva quanto sempre esteve, e ele implora que você não negligencie a tarefa de enviar notícias dela e do irmão para ele, sempre que você tiver algo para contar. Eu, ainda, devo te dizer que uma das ovelhas de Leicestershire dele, vendida para o açougueiro semana passada, pesava 12 quilos. Eu fui até Deane com meu pai dois dias atrás para ver a Mary, que continua prostrada com o reumatismo, do qual ela ficaria muito feliz em se livrar – e ainda mais feliz em se livrar do filho, de quem ela está verdadeiramente cansada. A enfermeira dela está aqui, e não possui nenhum charme singular nem em sua aparência e nem em suas maneiras; mas como todo mundo em Hurstbourne diz que ela é a melhor enfermeira que já existiu, Mary espera que o apego dela irá crescer.

Que ótimo clima é esse! Não muito bom, talvez, bem cedo pela manhã, mas muito agradável para se ficar ao ar livre depois do meio-dia e muito benéfico – pelo menos é o que todo mundo imagina, e a imaginação é tudo. Para Edward, contudo, eu realmente acho que um clima seco é importante.

Eu acredito que nunca te contei que a Sra. Coulthard e Anne, de Manydown, estão mortas, e que as duas morreram dando à luz. Nós não regalamos Mary com as notícias. Harry St. John foi ordenado, cumpriu alguns afazeres em Ashe e os fez muito bem. Eu gosto muito de fazer experimentos no trabalho doméstico, como mandar que façam bochecha de boi de vez em quando. Eu vou comer na próxima semana, e pretendo comer com pequenos pudins, para que eu imagine que estou em Godmersham. Espero que George tenha ficado satisfeito com meus desenhos. Talvez eles também servissem a ele se tivessem sido terminados de forma menos elaborada; mas um artista não pode fazer nada de forma desleixada.

Domingo – Eu acabei de receber uma nota de James informando que Mary deu à luz ontem à noite, às onze horas, a um belo menininho, e que tudo está muito bem. Minha mãe não queria ouvir nada sobre isso até que tudo estivesse acabado, e nós fomos inteligentes o suficiente para impedir que ela tivesse qualquer suspeita, embora Jenny, que havia sido deixada aqui pela patroa, tenha sido chamada de volta. Ontem eu visitei Betty Londe, que perguntou especialmente por você, e disse que ela parecia sentir muito sua falta, pois você costumava visita-la com frequência. Essa foi uma censura indireta para mim, a qual eu sinto em ter merecido, e da qual eu vou me beneficiar. Eu irei enviar outro desenho para George na próxima vez que eu escrever, o que eu suponho que será em breve, em razão de Mary. Minha mãe continua bem.

Sua, J. A”.

“Steventon, domingo, 25 de novembro [de 1798]

Minha querida irmã – eu esperava ouvir de você pela manhã, mas nenhuma carta chegou. Eu não vou mais me incomodar em te informar sobre o bebê de Mary se, ao invés de me agradecer pelas informações, você sempre sentar e escrever para James. Eu tenho certeza que ninguém pode desejar suas cartas tanto quanto eu, e eu também não acho que alguém as mereça tanto.

Agora que aliviei meu coração de uma boa quantidade de malevolência, irei proceder e te dizer que Mary continua muito bem, e minha mãe toleravelmente bem. Eu vi a primeira na sexta-feira, e embora eu a tenha visto relativamente saudável na terça-feira anterior, eu fiquei verdadeiramente impressionada com a diferença que três dias tiveram nela. Ela estava bem, seu humor perfeitamente bom e conversou mais energeticamente do que Elizabeth quando deixou Godmersham. Eu tive apenas um vislumbre da criança, que estava dormindo, mas a Srta. Debary me disse que os olhos dele são grandes, escuros e bonitos. Ela continua como sempre foi, e está costurando um vestido de lã penteada para ela, e usa o que a Sra. Birch iria chamar de pot hat. Uma pequena e resumida história da Srta. Debary!

Eu suponho que você tenha recebido notícias de Henry através dele mesmo, de que seus negócios estão bem estabelecidos. Nós não sabemos quem forneceu a qualificação. O Sr. Mowell a daria imediatamente, não fosse o fato de todas as suas propriedades em Oxfordshire terem sido negociadas para o mesmo propósito com o capitão. Divertido o bastante!

Os assuntos de nossa família estão bem enlouquecidos no momento, pois Nanny está de cama nesses três ou quatro dias, com uma dor na lateral do corpo e febre, e nós estamos sendo forçados a ter duas empregadas temporárias, o que não é muito confortável. Ela está consideravelmente melhor agora, mas deve levar algum tempo, eu suponho, para que ela possa fazer algo. Você e Edward vão se divertir, eu acho, quando souberem que Nanny Littlewart está arrumando meu cabelo.

O baile na quinta-feira foi de fato bem pequeno. Havia sete casais e apenas vinte e sete pessoas no salão”.

“Steventon, 1º de dezembro [de 1798]

Minha querida Cassandra, serei tão generosa em escrever de novo para você tão rápido, para que você saiba que eu acabei de ter notícias de Frank. Ele estava em Cadiz, vivo e bem, no dia 19 de outubro, e recebeu uma carta sua, escrita há tanto tempo que ‘Londres’ ainda ficava em St. Helen. Mas a última vez que ele realmente ficou sabendo de nós foi no dia 1º de setembro, quando eu enviei uma carta logo que chegamos em Godmersham. Ele havia escrito várias cartas para os amigos na Inglaterra, no começo de outubro, que deviam vir através do Excellent, mas o navio não zarpou, e nem parecia que ia zarpar, quando ele enviou as cartas para mim. Havia cartas para nós duas, para lorde Spencer, para o Sr. Daysh e para os diretores da Companhia das Índias Ocidentais. Lorde St. Vincent havia deixado a frota quando Frank escreveu, e tinha partido para Gibraltar, aparentemente para supervisionar uma expedicão privada que iria partir de lá até alguns portos inimigos; pensam que se tratava de Minorca ou Malta.

Frank escreveu com uma boa presença de espírito, mas disse que não poderemos nos corresponder tão facilmente no futuro, já que a comunicação entre Cadiz e Lisboa não é tão boa quanto já foi. Você e minha mãe, portanto, não devem se alarmar com os longos intervalos entre as cartas dele. Eu quero aconselhar vocês duas, já que têm os corações mais afetuosos da família.

Minha mãe fez sua entrada na sala de vestir atravessando uma multidão de admiradores na tarde de ontem, e todos nós tomamos chá juntos pela primeira vez em cinco semanas. Ela passou uma noite tolerável, e torce para que as coisas continuem nesse sentido hoje.

O Sr. Lyford esteve aqui ontem; ele veio enquanto nós jantávamos, e participou dos nossos entretenimentos. Eu não fiquei tímida em convida-lo para se juntar a nós e sentar na mesa, pois nós tivemos sopa de ervilhas, acém e pudim.

Estive em Deane ontem de manhã. Mary estava muito bem, mas não está ganhando força muito rápido. Quando eu a vi tão robusta no sexto dia, eu esperei que iria encontrá-la tão bem como sempre esteve depois de quinze dias.

James foi para Ibthorp ontem para ver sua mãe e seu filho. Letty está com Mary no momento, claro que extremamente feliz, e arrebatada com a criança. Mary não consegue administrar as coisas de um jeito que faça com que eu deseje ter filhos. A aparência dela não está arrumada; ela não tem nenhum vestido que sirva; suas cortinas são muito finas e as coisas não estão em um estado confortável que seria necessário para transformar a situação em uma situação viável. Elizabeth estava linda com seu chapéu limpinho e arrumado e com um vestido inteiro branco. Nós passamos o tempo inteiro na sala de vestir agora, e eu gosto muito disso. Eu sempre me sinto mais elegante do que na sala de estar.

Não tive notícias de Kintbury ainda. Eliza se delicia com nossa impaciência. Ela estava muito bem quinta-feira passada. Com quem a Srta. Maria Montresor irá se casar e o que irá acontecer com a Srta. Mulcaster?

Eu estou confortável com meus apetrechos de costura, e espero que não precise usar os seus com frequência. Eu fiz dois ou três chapéus para usar de noite, desde que cheguei em casa, e eles me salvaram de um mundo de tormento em questão de penteados, e agora não tenho nenhum trabalho além de lavar e escovar, pois meu cabelo, quando comprido, sempre fica trançado e, quando curto, enrola suficientemente bem para não precisar de papel. Eu cortei com o Sr. Butler.

Não há motivos para supor que a Srta. Morgan está morta, afinal. O Sr. Lyford nos deixou felizes ontem em razão dos elogios ao carneiro feito pelo meu pai, que todo mundo pensa que é o melhor que já comeu. John Bond está começando a achar que está envelhecendo, o que ele não devia fazer, e que não aguenta mais muito trabalho pesado; precisaremos contratar alguém para substitui-lo no serviço, e John irá cuidar das ovelhas. Não temos mais criados do que antes, eu acredito; só que agora temos homens ao invés de meninos. Eu gosto, mas você conhece minha estupidez quanto a esses assuntos. Lizzie Bond está trabalhando como aprendiz da Srta. Small, então nós podemos esperar vê-la estragar vestidos em alguns anos.

Meu pai pediu para o Sr. May uma taberna para Robert, a pedido deste último, e para o Sr. Deane, em Winchester, também. Foi ideia de minha mãe, que pensou que ele ficaria orgulhoso em forçar uma relação com Edward, como um retorno por Edward ter aceitado seu dinheiro. Ele enviou uma resposta muito civil, mas não tem nenhuma taverna vaga no momento. May espera logo ter uma taverna vaga em Farnham, então, talvez, Nanny terá a honra de servir cerveja para o bispo. Eu irei escrever para Frank amanhã.

Charles Powlett deu um baile na quinta-feira, para o incômodo de todos os seus vizinhos que, você sabe, tem o maior interesse nas finanças dele e vivem com a esperança de que ele seja arruinado.

Nós estamos muito dispostos a gostar de nossa nova empregada; ela não sabe nada de laticínios, isso é certo, e, na nossa família, isso pesa contra ela, mas nós iremos ensiná-la. Em resumo, nós sentimos a inconveniência de ficar muito tempo sem uma emprega que estamos determinado a gostar dela e vai ser difícil para ela nos desapontar. Até agora, ela parece cozinhar muito bem, é incomumente robusta, e diz que pode trabalhar bem com a agulha.

Domingo – Meu pai ficou feliz em ouvir um bom relato dos porcos de Edward, e espera ouvir, como um encorajamento por seu gosto, que lorde Bolton está particularmente interessado em seus porcos, ele tem chiqueiros de uma construção elegante, e visita os porcos toda manhã, logo depois de acorda.

Sinceramente sua, J.A”

Espero que tenham gostado!

Com carinho, Roberta.

A imagem em destaque foi retirada daqui.
Postado por: Roberta Ouriques

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