Isolamento social e quarentena foram usados na Era Medieval para lutar contra a peste negra

Há quase 700 anos atrás, os médicos sobrecarregados e os agentes de saúde que lutavam contra o surto devastador da peste bubônica na Itália medieval não tinham noção de vírus ou bactérias, mas entendiam o suficiente sobre a peste negra para implementar uma das primeiras medidas anti contágio do mundo.

Iniciada em 1348, logo depois de a peste chegar em cidades como Veneza e Milão, os guardas da cidade colocaram medidas emergenciais de saúde pública em prática que prenunciavam as melhores práticas de isolamento social e desinfecção de superfícies.

“Eles sabiam que você precisava ser muito cuidadoso com bens que eram comerciados, porque a doença poderia se espalhar através de objetos e superfícies, e que você precisava tentar limitar o contato pessoal o máximo possível”, diz Jane Stevens Crawshaw, uma professora sênior de História europeia moderna da Universidade Oxford Brookes.

A primeira quarentena

A cidade portuária adriática de Ragusa (Dubrovnik nos dias atuais) foi a primeira cidade a aprovar uma lei requerendo uma quarentena obrigatória a todos os navios que atracavam e às caravanas de comércio para rastrear possíveis infecções.

A ordem, que milagrosamente sobreviveu nos arquivos de Dubrovnik, atesta que no dia 27 de julho de 1377, o Conselho da cidade aprovou uma lei “que estipula que aqueles que venham de áreas infectadas com a peste não irão entrar [em Ragusa] ou em seus distritos a não ser que passem um mês na ilha de Mrkan ou na cidade de Cavtat, com o propósito de desinfecção”.

Mrkan era uma ilha rochosa desabitada ao sul da cidade e Cavtat ficava situada no final da rua utilizada por comerciantes estrangeiros que seguiam para Regusa, explica Zlata Blazina Tomic (em Expelling the Plague: The Health Office and the Implementation of Quarantine in Dubrovnik, 1377-1533).

Tomic afirma que alguns historiadores médicos consideram a quarentena de Ragusa como o marco inicial das grande conquistas da medicina medieval. Ao ordenar o isolamento de marinheiros saudáveis e comerciantes por 30 dias, os oficiais de Ragusa demonstraram um entendimento incrível de períodos de incubação. As pessoas que chegavam podiam não ter exibido sintomas da peste, mas eram isoladas pelo tempo suficiente para determinar se estavam, de fato, livres da doença.

Significado dos 40 dias

O período de 30 dias estipulado na ordem de quarentena de 1377 era conhecido em italiano como trentino, mas Stevens Crawshaw afirma que os médicos e os oficiais também tinham autoridade para impor períodos menores ou maiores. A palavra em inglês “quarantine” descende diretamente de quarantino, a palavra italiana para um período de 40 dias.

E por que 40 dias? Os oficiais de saúde podem ter prescrevido um período de 40 dias de quarentena porque o número possuía um grande significado simbólico e religioso para os cristãos medievais. Quando Deus inundou a Terra, choveu por 40 dias e 40 noites, e Jesus jejuou por 40 dias.

Stevens Crawshaw diz que mesmo antes da chegada da peste, a noção bíblica de um período de 40 dias de purificação já havia sido aplicada em medidas de saúde. Depois de dar à luz, por exemplo, esperava-se que a nova mãe descansasse por 40 dias.

As leis de quarentena funcionavam?

Mesmo com a nova lei de quarentena, Ragusa continuou a sofrer com surtos tardios da peste em 1391 e 1397. Sendo uma cidade marítima que sobrevivia do comércio, seria impossível fechar Ragusa completamente para a doença sem prejudicar a economia.

Mas mesmo se as medidas de quarentena não tenham protegido completamente os cidadãos da doença, Steven Crawshaw acredita que as leis podem ter servido a um outro propósito — restaurar um senso de ordem.

“Em qualquer epidemia há risco de surtos sociais, pânico generalizado ou complacência, o que pode ser tão perigoso quanto”, diz Stevens Crawshaw. “Existem muitas emoções que precisam ser conhecidas e antecipadas e isso fazia parte da política pública de saúde há 600 anos atrás tanto quanto faz parte hoje”.

Ragusa também construiu o primeiro hospital para a peste

A quarentena não era a única ferramenta utilizada na batalha travada pela Europa contra a praga, que de tempos em tempos devastada o continente até o século XVII. Regusa foi também a primeira cidade a erguer um hospital temporário para tratar da peste em uma outra ilha chamada Mljet. Esse novo tipo de hospital financiado pelo Estado logo se tornaria conhecido pela Europa como lazaretto.

Stevens Crawshaw, que escreveu um livro sobre esses hospitais, afirma que o nome lazaretto é uma corrupção da palavra Nazaretto, o apelido da ilha onde Veneza construiu seu primeiro hospital para tratar da praga: Santa Maria di Nazareth.

O lazaretto possuía duas funções, um centro de tratamento médico e um local de quarentena. Era um jeito de cuidar tanto dos recém-chegados quanto dos cidadãos locais que contraíam a peste enquanto eles ficavam isolados da sociedade saudável. Em um lazaretto, os pacientes infectados recebiam comida fresca, roupas de cama limpas e outros tratamentos de saúde, todos pagos pelo Estado.

“Eles são estruturas de saúde pública antigas bem marcantes, onde o Governo precisa investir enormes quantias de dinheiro”, diz Steven Crawshaw. “Independente de haver ou não a praga em Veneza, esses hospitais ficavam permanentemente equipados, prontos e esperando novos navios que pudessem estar carregando uma doença infecciosa”.

Fonte: History.com

Imagem em destaque retirada daqui.
Postado por: Roberta Ouriques

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